Do Outro Lado da Cerca: Otocky (1987, FDS)

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Por Bruno de Figueiredo (dieubussy) em Agosto de 2009

(Imagens capturadas diretamente do Famicom Disk System para uma autenticidade super especial).

Apesar da grande variedade de periféricos para o NES lançados pela Nintendo nos EUA e na Europa, os mercados fora do Japão foram cruelmente privados da adição mais genial ao hardware de original de 1983: o Famicom Disk System, lançado em 1986, exclusivamente naquele país. Explorando todo o potencial do sistema de hardware, essa unidade de disquetes flexíveis de 2.8 x 3 polegadas permitia aos jogadores uma série de vantagens, como o acesso à jogos com programas maiores, equipados com a tão necessária função de “save”, que não era possível nos primeiros cartuchos de ROM do Famicom. Títulos famosos como The Legend of Zelda não poderia ser lançado naquela época se não fosse para o Disk System, já que a função de salvamento por bateria só surgiria mais tarde naquela década. A tecnologia de fabricação de cartuchos evoluiu dramaticamente lá pelo fim dos anos 80, principalmente com a introdução de chips customizados em certos jogos. A tecnologia de cartuchos era largamente utilizada na época, e talvez inevitavelmente, o  Famicom Disk System não sobreviveu à isso, com sua produção sendo interrompida poucos anos depois.

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Motivado pela impressionante tecnologia do Disk System, o jovem artista multimídia e visionário Toshio Iwai, que mais tarde seria responsável por SimTunes e Electroplankton, foi o primeiro à imaginar um uso dinâmico e reativo da música como elemento central de um jogo de vídeogame. Seu projeto, desenvolvido em conjunto com a SEDIC e publicado pela ASCII Corporation, recebeu um visual estranho mas contagiante, que o tornou facilmente um dos jogos mais únicos e inovadores de todos os tempos. Recebendo o nome do seu robô protagonista, esse jogo genial ficou conhecido como Otocky.

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Disquete e caixa

Atualmente, jogos musicais viraram um gênero vital na indústria, indo desde experiências abstratas como o trabalho dos designers Masaya Matsuura e Tetsuya Mizuguchi; programas livres de música como o famoso music mode do Mario Paint, os incrível sound mixer para PSX Fluid ou até o recente Wii Music; até jogos de festa, como Singstar, Guitar Freaks e seus derivados. Muito antes de qualquer um destes títulos tentar alguma mistura de ritmos com jogabilidade, Otocky inaugurava o gênero, mas não como uma experiência primitiva, mas com uma mágica mistura de elementos visuais e sonoros não antes vistos.

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Em sua base, Otocky respeita o esquema clássico dos jogos de nave, composto por fases de scrolling lateral e chefes de fase. O objetivo principal é coletar notas musicais, espalhadas livremente pelas fases ou escondidas em caixas de powerups. Juntar uma quantidade suficiente destas notas permite que o jogador visite os chefes de fase, que consistem de símbolos de marcação musical gigantes. Senão, até que a barra esteja completa, a fase se repete perpetuamente. Entretanto, diferente de um jogo de nave comum, seu avatar mecanizado só dispara projéteis como parte de um sistema de proteção, acionável com o botão B. A ação principal do personagem consiste em jogar esferas ao apertar o botão A juntamente como uma das 8 direções do botão direcional. Essas esferas aleatórias azuis e vermelhas, usadas para pegar itens e derrotar inimigos, só viajam à uma curta distância e sempre retornam para você.

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O processo de se aprender os padrões de movimento dos inimigos e as localizações do itens é essencial para se dominar Otocky. Pois cada item coletado é recolocado na próxima apresentação da fase por um inimigo, incluindo itens escondidos em caixas. O jogo requer que o jogador lembre as posições das caixas ou itens não coletados na passada anterior, enquanto enfrenta uma quantidade cada vez maior de oponentes.

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O que é mais atraente sobre esse jogo é que, olhando-o agora, vinte anos de idade, dá pra ver o avanço que ele introduziu naquele momento da história. Além da ótima música tema dos chefes, Otocky não tem uma trilha sonora própria, mas sim uma batida um linha de baixo predeterminada que toca ao fundo. De acordo com as diferentes direções em que o jogador arremessa suas esferas, uma nota musical diferente é tocada: e é na repetição dessa ação é que as notas formam juntas uma melodia, cada uma delas é combinada ao ritmo do fundo numa escala pré-ordenada, logo a sensação interativa em tempo real nunca se desencaixa. Consequentemente, o jogo apresenta um cenário onde a música não vem pré-concebida, mas é criada de fato como resultado das ações do jogador durante a partida.

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Vários instrumentos estão disponíveis através de cada fase, incluindo, cordas, teclados, metais, percussão, sintetizadores, só para mencionar alguns. Cada um tem um som distinto, apesar das capacidades limitadas do Famicom – o que é um grande feito, considerando que o sistema não possui mais do que 5 canais de som simultâneos. O sistema do jogo é tão funcional que os designers incluíram um “BGM Mode”, onde não existem inimigos ou itens: quando destravado, permite ao jogador criar música livremente, simplesmente viajando através dos cenários desertos.

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O design das fases é essencial para se entender a experiência de jogo. Cada fase é uma composição abstrata única, definida por formas elementares, que fazem alusão às estéticas da arte e ótica modernas, com um gosto forte por geometria e fortes contrastes de cores. A paleta de cores parece ser resultado do gênero musical apresentado em cada fase, revelando assim um grande cuidado no design do jogo, além da simples engenharia de som. Em cada nova fase, como um novo degrau em uma escada, vai exigir uma quantidade cada vez maior de memorização do jogador, e mais habilidade.

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Com essa estréia excepcional, Toshio Iwai demonstrou não só apenas sua devoção em criar novas formas de expressão musical, unindo arte experimental e software de computador, mas também mostrou uma impressionante aptidão em desenvolver uma experiência que excede as pré-concepções do que um jogo de vídeogame pode ser. Além dos deliciosos e desafiados elementos de jogabilidade, seu trabalho tem uma camada mais profunda de conteúdo, junto com uma impressão geral de encantamento que pode ser sentido à medida que o jogador fica imerso na improvisação em tempo real. Faltam adjetivos para descrever por completo esta criativa, rara e completamente interativa síntese de notas musicais, tempos, batidas e padrões visuais. Não só Otocky é inédito em que conseguiu alcançar, com grandes resultados, o fez de forma perfeita, com grande consistência. Mesmo duas décadas depois, a obra-prima de Iwai ainda implora para ser jogada, como uma prova de valor inestimável da evolução dos consoles, e não merece ficar em segundo para nenhum outro jogo de Famicom.

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Vídeo

Galeria

Chefes de Fase

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