Por John Sczepaniak
Gaiares (ガイアレス) – Mega Drive (1990)
O gênero “shoot-em-up” já estava bem estabelecido em 1990, com uma variedade bem rica. Os arcades eram a vanguarda tecnológica e os consoles eram ainda julgados pela qualidade de suas conversões dos jogos de arcade. Como isso, o Mega Drive era uma máquina poderosa, que ainda lutava para marcar presença, apesar de ter sido lançado dois anos antes. Neste contexto, Gaiares é importante, não só por impulsionar o gênero shoot-em-up, mas por ser um título exclusivamente doméstico e um título exclusivo para o Mega Drive/Genesis.
Desenvolvido pela Telenet, o jogo é basicamente o fruto do trabalho de duas pessoas: o progrmador Masayasu Yamamoto, juntamente com o designer gráfico e de jogos Kouji Yokota. Ambos possuem portfólios respeitáveis e experiência, apesar deste ser o primeiro projeto de Yokota como lead designer – anteriormente ele só havia feito gráficos para a Telenet e a Falcom.
Mecanicamente, Gaiares é inspirado no Gradius da Konami, com um sistema de armas variado onde o jogador pode escolhê-las diferentes momentos; no R-Type da Irem, por ter um módulo Option sempre presente, que age tanto como arma quanto como um escudo parcial; e talvez um pouquinho do Darius da Taito em termos de caminhos bifurcados e um chefe aquático em particular, e talvez na série Thunder Force, da Technosoft também. Ele deliberadamente empresta temas de fases de todos eles, incluindo abrir caminho por um cenário obstrutivo e penetrar adentro de hangares de naves espaciais gigantes. Os caminhos bifurcados foram implementados de forma sutil, exigindo apenas que você se mova para o cima ou para baixo da tela, e fazendo as partidas posteriores menos cansativas. Por exemplo, na primeira fase, antes do chefe intermediário, você passa por cima de asteróide coberto de folhagem, atacando alvos em terra, ou voando por cima deles enquanto desvia de destroços que caem. Algo diferente ocorre na fase do castelo, e na estação espacial; caminhos diferentes resultam em cenários, inimigos e perigos diferentes.
Mas a atração principal é o sistema de armas e o seu módulo Option “TOZ” (WOZ em japonês), que permite que você roube as armas usadas por seus inimigos: dispare o seu TOZ como você faria em R-Type, mas ao invés de destruir inimigos, ele se prende à eles, te dando suas habilidades.
Há uma deliciosa natureza parasítica no TOZ, mais ou menos como os facehuggers do H.R. Geiger se prendem à outras formas de vida e adotam suas características para formar o alien, para que ele seja otimizado para aquele ambiente. Os inimigos são posicionados de forma que quaisquer armas que eles tenham sejam geralmente muito boas para aquela situação. É uma invenção impressionante para alguém que até então tinha feito basicamente apenas pixel art. Existem 13 armas diferentes para se capturar, além dos mísseis que o TOZ’s dispara independentemente, chegando à um total de 14. Os jogadores que acham o jogo muito difícil pode acessar uma arma secreta e devastadora: o tiro teleguiado T-Blaster – disparando o TOZ seis vezes e errando, e então capturando um inimigo armado na sétima vez – atirando da extremidade direita da tela torna isso mais fácil (mas fica a dica: ela é praticamente inútil para se abrir caminho na rede de gelo da segunda fase).
É claro que além do sistema de armas, a principal razão que tornou o Gaiares tão famoso foi a sua dificuldade enorme. É um dos shooters mais difíceis, mas de uma forma completamente diferente de, por exemplo, os shooters da Cave ou danmaku. Existem vários fatores interligados. Primeiramente, o posicionamento dos inimigos e os seus padrões de disparo não são fixos, mas sim baseados na posição do jogador, o que significa que o jogo constantemente se adapta e é praticamente gerado processualmente. Você não pode simplesmente memorizar suas posições, você precisa estar preparado para se adaptar à eles. Junto à isso, a mudança de velocidade é essencial. Alguns shooters te oferecem três ou até cinco velocidades diferentes, mas provavelmente você pode terminar o jogo na velocidade média – o que com certeza não acontece em Gaiares, especialmente contra os chefes. O uso cuidadoso das velocidades Slow e Max é essencial. Como você deve imaginar, a escolha certa de armas também é importante, exigindo que os jogadores cheguem nas fases mais avançadas e avaliem o melhor a se fazer nas partidas seguintes, depois de morrer. Infelizmente, Gaiares se utiliza de um sistema de checkpoints bastante cruel, geralmente te colocando em uma situação perigosa sem chance de conseguir se re-equipar. Dito tudo isso, Gaiares não é impossível, ele apenar requer treino e determinação. os chefes são bem bons em avisar quando vão atacar: por exemplo, o ataque de onda da chefe-sereia só acontece depois que ela estica o braço.
A necessidade de estratégia para se posicionar a nave no lugar perfeito quando se ativa os inimigos, a melhor velocidade de nave e correta escolha de armas empresta ao Gaiares uma característica quase de um quebra-cabeça. Tenha certeza que como iniciante você vai usar todos os seus continues bem rápido. Saiba também que a música é fantástica, pois você vai ouvi-la bastante. A compositora, Shinobu Ogawa, trabalhou em vários capítulos das séries Exile e Valis da Telenet, e de forma geral, todo o seu portfólio musical é excelente.
Mas talvez a alta dificuldade seja uma benção. O jogo começa bem, com um monte de objetos se movendo na tela, com scrolling suave tanto vertical quanto horizontal, efeitos de parallax, muita velocidade sem slowdown perceptível, chefes enormes, ótima trilha sonora, e tudo no lugar certo. Até você chegar nas duas últimas fases, onde o jogo recicla tudo que já apareceu antes para criar um boss rush sem graça e apelativo.
Em alguns aspectos, ele é também um shooter estranho. Ao começar pelo nome Gaiares, que não é óbvio como deve ser pronunciado [N.T.: pelo menos para os anglófonos]. O material promocional americano até tinha o slogan: Can you say “Guy-Are-Us”. A Wikipédia era ao dizer que este é uma conjunção de palavras com Gaia + Rescue, mas de acordo com Kouji Yokota, este é na verdade um caso de Engrish reverso: deveria ser “Gaia-less”, significando “sem Gaia”, or “Earthless”, já que o planeta Terra foi arruinado. O jogo também conta com a inédita quantia de dez minutos de cutscenes em anime. São mais de sete minutos de introdução, e mais de dois minutos de encerramento, o que é absurdo para um jogo de nave em cartucho em 1990. Você controla um piloto chamado Dan Dare (Dias, em japonês) enquanto ele enfrenta um grupo terrorista chamado Gulfer. Se ele tiver sucesso, a humanidade conseguirá um novo planeta para viver. O TOZ é pilotado por uma mulher chamada Alexis (Luanne), uma alienígena do Império Leezaluth, que teve seu cérebro reprogramado para lutar ao lado dos humanos. Há também a rainha de Leezaluth, Natasha (Ludianasa), que aparece nua na capa japonesa, além da rainha má Zz Badnasty (que tem o nome sem graça de Zelduon na versão japonesa).
Existe muita coisa para se gostar em Gaiares. Os gráficos são bons, a música é boa, e tem várias idéias inovadoras que ainda funcionam bem. Tudo isso lhe consagrou o merecido título de shooter clássico do Mega Drive, e ainda é um jogo fantástico, desde que você não se importe com o seu nível de dificuldade.
Perfil do Desenvolvedor: Kouji YOKOTA / 横田 幸次
Data de Nascimento: 4 de Dezembro de 1963
Nascido em: Sapporo, Hokkaido
Sangue Tipo: A
Iniciando sua carreira na Telenet como pixel artist, Kouji Yokota trabalhou no Valis do Famicom Valis e também no Megami Tensei do MSX. Mais tarde também trabalhou na Falcom criando arte e ajudando no design de fases do Ys III. Seus jogos mais famosos vieram mais tarde, trabalhando como designer em Lunar: Eternal Blue, como artista em ActRaiser e Soul Blazer, e então no design de Illusion of Gaia e Granstream Saga.
Todas as citações da entrevista foram tiradas do livro The Untold History of Japanese Game Developers, Volume 1.
Sobre a criação de Gaiares: “a Sega havia lançado o Mega Drive e pediu à Telenet que criasse um jogo para ele. Um dos meus colegas programadores veio à mim e disse que estava trabalhando nesse jogo de nave e que a data de entrega estava chegando, e foi assim que eu acabei me envolvendo. Era um projeto bem pequeno, com um número pequeno de pessoas. No começo éramos apenas dois. Naquela época tínhamos muita liberdade e podíamos fazer o que quisermos”.
Sobre o sistema de captura de armas: “isso não existia antes – capturar armas diretamente dos inimigos. A idéia expandir como o módulo Option do R-Type era usado. Você o lança em inimigo para extrair suas características particulares. Originalmente tínhamos uma arma onde você atirava um objeto, como uma bola, nos powerups para coletá-los, e também para mudar de arma em tempo real. Mas então tivemos a idéia do Option, e isso levou à idéia de arremessá-lo contra os inimigos para capturar armas. Se você quer capturar algo do inimigo, você não pode atacá-lo, então nós criamos uma espécie de mecanismo de risco/recompensa para o jogador”.
Sobre o nível de dificuldade: “eu só me envolvi nas primeiras seis fases, e não participei das últimas. Você pode perceber jogando o jogo, de que há uma mudança significativa nos chefes. As últimas fases foram feitas principalmente pelo Yamamoto-san e um designer da Nihon Telenet. Parece que eles reciclaram alguns dos monstros, o que recebeu críticas e levou o jogo à receber notas baixas nos reviews”.
Sobre o título: “Eu criei o nome – ガイアレス. A parte resu (レス) significa L-E-S-S – or ‘less’, (sem alguma coisa). Logo seria ‘Sem Gaia’, ou ‘Earthless’, já que a Terra estava arruinada, e a humanidade estava tentando achar uma solução. Eu só estava encarregado de criar a premissa básica. Eu dei mais importância ao jogo em si, e não pensei muito na história. Talvez porque os personagens estavam tentando reviver a Terra que os jogadores americanos pensaram que o ‘res’ significava ‘rescue’ (resgate), ao invés de ‘less'”.
Sobre as cutscenes: “A memória foi dobrada de 4 megabits para 8 megabits depois que começamos o projeto, então adicionamos o equivalente à 4mb de visuais história depois”.
Sobre a dificuldade: “Yamamoto-san, o programador, estava encarregado do equilíbrio do jogo, mas o jogo estava primeiramente focado no mercado exterior. Já que há uma tendência à se jogar o jogo e revendê-lo, assim como o aluguel de jogos, a editora americana, Renovation, nos pediu que fizéssemos o jogo mais difícil para ele que ele não pudesse ser alugado e completado facilmente. Quando nós fomos à eles o demo do jogo eles disseram ‘Vocês deviam ter feito ele ainda mais difícil!’ Daquele momento em diante nós começamos a ficar preocupados, mas obedecemos. Então no fim das contas o jogo ficou bastante difícil”.
Tá bem bacana a análise. Eu só queria sugerir, como temos matérias com bastante texto, que não se use um cinza tão escuro nos textos de leitura. Clarear mais a fonte, ou mesmo usar branco, vai melhorar o contraste. Abraço
Dei um tweak no esquema de cores – o tema não é um flexível, mas consegui melhorar um pouco.