Especial La-Mulana, Parte 1: La-Mulana (2005)

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Por

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La-Mulana (ラ・ムラーナ) – Windows (2005)

“My work is a thing to kill the player.” – Takumi Naramura

Você pode encontrar Naramura, o designer de La-Mulana, em alguns lugares de seu jogo: na secreta “Developer Room” do jogo e também como um chefe secreto. Ele escolheu se representar como uma figura azul, vagamente humanóide com olhos fechados e uma língua cor de rosa. O avatar de Naramura é exatamente o que você espera encontrar por trás deste jogo: mexendo sua língua para lá e para cá, ele não oferece misericórdia, enquanto você cai em mais uma de suas armadilhas.

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Bonequinhos do Nakamura, vendidos na TGS 2013

La-Mulana, uma carta de amor moderna aos jogos de aventura “old-school” japoneses para MSX, traz de volta à lembrança os aspectos mais brutalmente difíceis daquela era dos vídeogames. A desenvolvedora indie japonesa GR3 PROJECT lançou La-Mulana como um freeware para PC em 2005. Em 2011, sob o novo nome de Nigoro, eles lançaram um remake melhorado para WiiWare e PC. Entre aqueles bravos o suficiente para enfrentar os seus desafios, La-Mulana conquistou um dedicado grupo de fãs com seu estilo retrô e a enorme dimensão do mundo de jogo, que realmente captura o sentimento de exploração real. O manual digital, cheio de textos em “engrish“, nos dá uma idéia da sua filosofia de design:

“La-Mulana is a game that was designed to remind those gamers tired of the ‘super graphics, easy gameplay’ types of game commonplace on modern consoles just how fun the old style of games can really be. … For those used to the new-style of really easy games, it may be very hard to beat La-Mulana. But that’s OK.”

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La-Mulana não se demora para mostrar a sua dificuldade. Você joga como Lemeza Kosugi, um professor nipo-americano que carrega consigo um chicote e um laptop MSX (ambos cruciais em sua aventura; as ROMs para computador que você coleta te ajudam à decifrar os textos e mapas antigos, além de outras funções), chegando à vila sobre as ruínas de La-Mulana, um lugar onde se encontra um grande tesouro. Ele pode andar, atacar com seu chicote, mas não muito mais do que isso – na seção inicial da vila, uma sensação geral de inutilidade nos toma, enquanto encontramos placas de pedra que não podem ser lidas, uma entrada para as ruínas que não pode ser alcançada e, afrontando todos nosso instintos de preservação como gamers, nenhuma forma de salvar o jogo. Para entrar nas ruínas, você precisa primeiramente completar um simples quebra-cabeça; para ler as placas e salvar, você primeiro precisa comprar o devido Hand Scanner e a ROM Game Master na loja da vila, com as moedas adquiridas ao matar os inimigos. Não há colher de chá no comecinho do jogo – e nenhuma razão para se achar que haverá depois, também.

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Os gráficos e sons 8 bits são simples e seguem o estilo de jogos similares para MSX, como Maze of Gallious e King’s Valley II, mas são interessantes o suficiente mesmo se você não jogou nenhum dos jogos que o inspirou. A paleta de cores limitada às vezes leva à situações complicadas onde os inimigos se misturam com certas partes do cenário – morcegos são sempre um problema em tela com água. Felizmente, o verde das roupas de Lemeza é raro o suficiente nos cenários do jogo para que ele seja facilmente visível. Os chefes tem visuais especialmente espetaculares – desde Viy, o gigante de um olho só que persegue Lemeza túnel acima, atacando-o com tentáculos e lasers, até o alienígena Palenque, inspirado no “astronauta maia”, que Lemeza deve enfrentar em um avião em miniatura em uma fase de jogo do tiro. Eles geralmente não são animados, mas são enormes e muito bem detalhados. A trilha sonora é de primeira classe e energética, mas em áreas difíceis, como o Gate of Illusion ou os Twin Labyrinths, a música captura muito bem a sensação de desespero e pode não ser muito divertida de se ouvir depois de se ficar horas perdido.

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Nigoro classifica La-Mulana como “Ruins Exploration Archaeological Action Game,” o que á primeira vista parece ser algo parecido com o que geralmente chamamos de “Metroidvania,” mas os aspectos arqueológicos são essenciais para a atmosfera e para o estilo de jogo de La-Mulana. As imensas ruínas que dão nome ao jogo são divididas em nove seções, cada uma com suas partes de “Frente” (Frontside) e de “Trás” (Backside). O Frontside geralmente apresenta um tema, que é subvertido no Backside. A primeira parte, o Gate of Guidance, serve para te familiarizar com a lógica do jogo e o que se deve esperar, mas o seu Backside correspondente, o Gate of Illusion, serve para quebrar sua confiança e te confundir com escadas invisíveis, warps e uma sensação geral de maldade no ar.

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O ritmo geral do progresso pelas ruínas se dá ao resolver quebra-cabeças, encontrar novos itens e equipamentos, derrotar um algum dos oito Guardiões, ou simplesmente explorar novas áreas. Cada tipo de conquista te leva à outra, mas nem sempre de uma forma óbvia. O manual lembra aos jogadores: “você é um ‘arqueólogo’. Preste atenção nas pequenas mudanças e em lugares estranhos nas ruínas!” Um som distinto te alerta quando você resolve um quebra-cabeça, mas os efeitos dessa solução podem se manifestar em qualquer lugar das ruínas, não importando a distância. Uma das coisas mais frustrantes de La-Mulana é acidentalmente resolver um quebra-cabeça, sem conseguir descobrir como você conseguiu resolvê-lo ou sem saber que efeitos isso vai ter nas ruínas.

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Algo que marca o progresso que se tem pelas ruínas é colecionar itens, que vão desde upgrades essenciais de movimento (como a Feather [pena], que te dá o pulo duplo), passando por equipamentos de proteção (como a Ice Cape [capa de gelo], que permite que Lemeza nade na lava), até novas armas (como a Flare Gun [pistola de sinalização], que atira diretamente para cima). O item mais importante, principalmente para a sanidade do jogador, é nada mais nada menos que o Holy Grail [Santo Graal], que permite se teletransportar para qualquer Grail Tablet que você já encontrou, abrindo-se o seu MSX e apertando os botões de 0 a 9, cada botão correspondendo ao Frontside de cada área. O Holy Grail também pode acessar os Backsides, usando-se uma obscura combinação de ROMs. E claro que a mesma frustração que que se tem com os quebra-cabeças se repete com os itens encontrados, já que achar um novo item apenas nos diz qual é o seu nome – nem sempre ficando claro o que ele faz, sendo que a sua alegria pode rapidamente se transformar em decepção quando você esperava encontrar uma utilíssima Life Jewel, que aumenta a sua barra de vida, mas você acaba encontrando Pepper [pimenta], que não tem nenhuma utilidade óbvia e imediata.

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Um dos grandes trunfos do jogo é o estilo cuidadoso de exploração que ele incute no jogador. Já que Lemeza começa a aventura tão fraco e com as armadilhas sendo tão frequentes, a morte nunca está longe o suficiente. Existem algumas mecânicas no jogo que rapidamente desencorajam os hábitos descuidados que temos nos jogos de exploração: os “Eyes of Truth” te avisam que certos baús e paredes estão sob proteção divina e vão acertar Lemeza com um raio se ele os atacar, então você não pode simplesmente bater em tudo à sua volta à procura de passagens secretas; buracos profundos geralmente tem espinhos no fundo, logo você não deve pular sem olhar; e os pesos, geralmente usados para a se solucionar algum quebra-cabeça, geralmente ativam uma armadilha se o jogador não tiver alguma razão para movê-los. O resultado final é uma atmosfera dede perigo constante, sendo que geralmente as mortes são justas e resultado de suas próprias ações.

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Diferente de muitos jogos do gênero, boa parte das fases de La-Mulana estão abertas ao jogador desde o início, mas muitas vão se provar difíceis demais no início. Muitos quebra-cabeças nas primeiras áreas são cruciais para se poder avançar nas áreas mais avançadas, logo as ruínas podem ser resolvidas área a área, ou explorando-se um pouco aqui, um pouco ali. Como resultado dessa abertura do jogo, você acaba descobrindo para onde deve ir não por alguma instrução direta do jogo, mas por enfiar a cara em uma área nova e descobrir na marra se lá o Lemeza tem alguma chance de sobreviver ali.

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Mas não se pode dizer que La-Mulana não te diz para onde seguir – as dicas que são dadas são um dos pontos mais fortes e mais únicos do jogo. Ao longo das fases, existem várias placas escritas em uma língua antiga que contam um pouca da história de cada área e seus habitantes. Estas escritas variam desde as últimas palavras de um esqueleto próximo, que pode alertar o jogador sobre alguma armadilha próxima, ou um obscuro verso de poesia, que acaba sendo essencial para se se resolver um quebra-cabeça próximo (ou distante).

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Veja por exemplo uma das primeiras áreas o Mausoleum of the Giants. Nele existe uma série de placas que contam a história de uma raça de gigantes:

“We are the second race born of the Great Mother. We were born to return her to the skies. This is the sad story of our race. Nine brothers led our race: Zeb, Bud, Migera, Led, Fut, Abt, Zi, Riv, and Sakit.”

Estátuas destes nove gigantes estão espalhadas por esta área, em várias poses diferentes, como nos papéis deles descritos nas placas. Os gigantes se dividiram em duas facções, uma tentando retornar sua Mãe (Mother) para o céu, enquanto outra tentava manter a Mãe na terra. Outras placas mais á frente no jogo revelam que as ruínas de La-Mulana são o corpo da Mãe, a criadora de toda a vida. Você consegue entender porque os gigantes tiveram dificuldade em retornar sua Mãe para o céu.

“The sun shone brightly the day Ledo fell in battle. A gaping hole in his chest, he entered his eternal slumber.”

No centro do Mausoleum of the Giants existem três pedestais, juntos mostrando uma combinação de sóis, luas ou estrelas. Ao chicotear um pedestal, se muda o símbolo mostrado em todos os três pedestais, definitivamente seguindo um padrão, mas um padrão que não é tão óbvio – como se mexer num Cubo Mágico só se olhando para um lado dele. Quando todos os três pedestais tem um único símbolo, os gigantes mudam de posição de acordo com que é dito nas placas – no quebra-cabeça de Ledo, por exemplo, deixar os três pedestais na posição do Sol faz com que a estátua de Ledo tenha um buraco em seu peito, cujo significado está em outra placa:

“The youngest, Sakit, tread his own path. He put a key on Ledo’s body, falling into slumber with his powers in hand.”

Naturalmente, existe algum tipo de “chave” ou algo tão útil quanto, escondida no peito de Ledo, que abre o caminho para se enfrentar Sakit, o Guardião desta área. As áreas de La-Mulana são geralmente organizadas desta forma, com quebra-cabeças relacionados à uma narrativa central que é revelada pelas placas, mas o Mausoleum of the Giants é provavelmente a melhor execução desta idéia. Já que esta área aparece cedo no jogo e já que o jogador depende tanto das placas para resolver o quebra-cabeça central, o jogo dá um grande incentivo para que se mantenha algum tipo de registro das placas já lidas, tirando-se screenshots ou anotando na mão mesmo. E o Mausoleum é uma representação pequena do resto das ruínas – juntar as pistas das placas é essencial para se resolver os grandes mistérios que serão apresentados ao longo das ruínas.

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E é claro, alguns quebra-cabeças podem ser bem obscuros, fazendo que um jogador pode achar ser uma jogabilidade “raiz” pode facilmente ser algo “desnecessariamente frustrante” para outro. Além das placas, algumas dicas preciosas são apresentadas pelo Ancião Xelpud, que tão facilmente quanto ele solta elogios poéticos sobre vários jogos de MSX, ele também nos dá dicas para quebra-cabeças específicos – e também há as últimas palavras dos esqueletos, que morreram em vários momentos da resolução dos quebra-cabeças mas obviamente não chegaram á completá-los.

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Um quebra-cabeça que é infame entre os jogadores por sua obscuridade é a “dance of life” [dança da vida], que envolve duas placas distantes nas áreas no meio do jogo, uma mostrando simplesmente a figura chicoteando e pulando em sequência, e outra placa que diz “Dance aqui. Viva a vida.” Lemeza deve executar a sequência de ataques e pulos descrita na primeira placa na frente desta segunda placa, não importando as diversas horas de jogo que separam estas duas placas. Outro quebra-cabeça crucial para se derrotar um chefe mais para a frente no jogo envolve várias placas distantes umas das outras:

The left eye sees Kindness.

The right eye sees Charity.

Charity, Kindness, Charity, Charity, Kindness, Charity, Kindness, Kindness, the endless sound of the waves.

Quando confrontado com um chefe formado por dois olhos, que você enfrenta em uma arena com água, Lemeza deve atacar seus olhos na ordem descrita (direita, esquerda, direita, direita, etc.) ou o chefe continuará invencível. É impossível seguir em frente sem saber o que estava escrito nestas placas específicas; mesmo quando o fim do jogo já está à vista, você ainda precisa fazer algum backtrack e ler o que você deixou para trás.

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No caso improvável de você querer um desafio ainda maior, a área secreta e opcional chamada Hell Temple é uma mistura sádica da ação de plataforma mais precisa do jogo, quebra-cabeças obscuros e dos combates mais difíceis. Existem salas cheias de pisos falsos, complexos quebra-cabeças de blocos, sequências enormes de pulos entre paredes e quebra-cabeças que exigem muito backtrack e domínio de muitas características do jogo. Com certas combinações de ROMs você pode acessar alguns minigames, como uma homenagem ao Parodius e um dating simulator que de repente se transforma em uma galeria de tiro inspirada no Snatcher. Um quebra-cabeça no Hell Temple exige que você consiga um high score no clone do Parodius. O Hell Temple é o ápice do esforço da Nigoro: ele testa todas a habilidades do jogador, mas não se limita ao seu domínio da física e da história de La-Mulana, mas também ao seu domínio dos jogos clássicos de todo o tipo.

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Um editor oficial também foi lançado para La-Mulana, mas não parece haver uma comunidade grande de modders do jogo; o programa, que tem muito texto nunca foi traduzido para o inglês. A Nigoro lançou dois mods junto com o editor: um “boss rush” e um “time-attack” do Hell Temple.

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La-Mulana é um maravilhoso exemplo de um mundo de jogo que parece estar realmente vivo – cada área não é apenas uma série linear de desafios para o jogador, mas sim uma área onde as raças do jogo nasceram, e deixaram um legado para você descobrir. Imagine Super Metroid, mas onde você pode ler sobre as vidas e o destino dos Chozo; imagine Castlevania: Symphony of the Night, onde você pode lutar adentro da cozinha do Drácula e encontrar a sua receita favorita de biscoitos de chocolate. Isso não é para pessoas de coração fraco e aqueles que desejam se aventurar em La-Mulana devem fazê-lo com o olhar cuidadoso de um arqueologista e com a coragem de um gamer das antigas para conseguir conquistar todas as grandes recompensas que lá estão escondidas.

Links

Aeon Genesis – baixe o jogo e o patch em inglês aqui.
La-Mulana Wiki – guia não-oficial, ams extremamente útil.
La-Mulana Jukebox – player com a incrível trilha sonora do jogo (veja a senha no txt para abrir mais músicas!)

Mais Fotos

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Vídeos

Playlist com a trilha sonora:

À seguir: La-Mulana (remake)!

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