Por Mama Robotnik em 25 de Junho de 2020
Se você não leu a primeira parte, esta matéria começa aqui. Continuando…
Cagadas no Ciclo de Vida do Console
Confusão com os controles
O controle padrão do SEGA Saturn é uma obra de arte. Para alguns tipos de jogos – particularmente os jogos de luta – ele é um dos melhores até hoje, devido ao seu layout, responsividade e conforto. Em meio este monte de cagadas, a SEGA conseguiu de alguma forma criar algo belo.
Mas eles tinham que cagar nisso também. Alguém decidiu que este controle impressionante e elegante controle não era adequado para os públicos norte-americano e europeu, que então receberam um redesign medíocre. Este bizarro controle alternativo tinha um estranho direcional com botões côncavos, botões L e R com um ângulo estranho, além de uma disposição estranha de botões e um material brilhante e feio. Ele não era completamente abominável, mas era um lixo se comparado ao controle genuíno do Saturno.
Obviamente, o console foi lançado nos EUA e Europa com este controle inferior. Obviamente.
Eventualmente, a SEGA se tocou e incluiu o controle melhor (que havia sido lançado junto com o console japonês) nas versões posteriores do Saturn. Mas isso já era tarde demais para aqueles que já haviam se desencantado por causa do controle anterior.
Periféricos desperdiçados
O que o Saturn precisava desesperadamente era jogos. Jogos, jogos, jogos, jogos, jogos, jogos, jogos.
Logo a SEGA contava com times trabalhando em nove diferentes cartões de Video CD (para que o Saturn pudesse ler o fracassado formato Video CD), adaptadores para karaokê, adaptadores de Netlink, drives de disquete, interface MIDI, modem, modem Netlink, controle infravermelho, teclados e outros.
Apesar de alguns destes terem conseguido algum sucesso em certos mercados (enquanto a maioria falhou miseravelmente), este sucesso era ínfimo se comparado aos lucros que poderiam ser obtidos vendendo jogos de vídeogame para a porra de vídeogame que eles haviam lançado.
Deixando IPs de sucesso na gaveta
Altered Beast, Alex Kidd, Ecco the Dolphin, Phantasy Star. Streets of Rage, Eternal Champions, Thunder Blade, Castle of Illusion e ToeJam and Earl; estes são os IPs que trouxeram toda a grana para o Genesis/Mega Drive e consoles anteriores da SEGA. Eles que traziam o reconhecimento da marca e o interesse dos fãs.
Logo como era de se esperar, a SEGA não fez porra nenhuma com eles no Saturn, com exceção de uma coletânea do Phantasy Star, que trazia versões básicas dos títulos desta franquia.
O Saturn precisava de jogos. A SEGA tinha uma rica e invejada biblioteca de IPs.
A empresa não foi capaz de fazer a conta e descobrir que 2 + 2 era igual à 4 naquele momento.
Falando mal do próprio produto
Nem sei como começar à explicar este aqui.
O Vice-Presidente da SEGA of America, Bernie Stolar anunciou na E3 que “O Saturn não é o nosso futuro”, pois isso é exatamente o que futuros compradores querem ouvir ao considerar comprar um console caro.
Falando no diabo…
Bernie FDP Stolar
O Vice-Presidente da SEGA parecia odiar o Saturn. Ele decidiu que o SEGA Saturn – uma máquina 2D realmente impressionante – não deveria ter jogos 2D. Ele bloqueou o lançamento do Megaman X3 saído no Japão, além de vários outros jogos 2D que ele não queria em seu console, independente do quão comercializáveis estes fossem ou do poder de venda de suas franquias. Ele também bloqueou o lançamento de vários RPGs excelentes, que eram predominantemente em 2D na época.
Ele instituiu uma política de lançamento de “Cinco Estrelas”, que permitia que apenas os melhores jogos (cinco estrelas) fossem lançados para o console, baseado em seus próprios critérios arbitrários e injustos. Por exemplo, se diz que ele rejeitou uma versão do Diablo para o Saturn dizendo que as vendas para PlayStation deste título não foram absurdas e por isso o jogo não merecia receber “cinco estrelas”.
Apesar disso, algum jógos horríveis continuavam à ser lançados para o Saturn, como Iron Man and X-O Manowar in Heavy Metal, Incredible Hulk: The Pantheon Saga, The Crow: City of Angels e Euro 96 Soccer . Estes eram títulos fraquíssimos, terríveis e quase injogáveis, mas que de alguma forma passaram pelo sistema de “Cinco Estrelas” que rejeitou Diablo.
Decisões de não trazer bons títulos do Japão
Algumas decisões sobre portar títulos foram feitas arbitrariamente pela SEGA of Japan. Por vários motivos, decidiu-se que a Europa não precisava receber:
Grandia, Shining Force III episodes 2 and 3, Waku Waku 7, Radiant Silvergun, Bubble (Bobble) Symphony, Dragon Force 2, Bomberman Wars, X-men Vs Street Fighter, Marvel Superheroes Vs Street Fighter, Street Fighter Zero 3, Sillhouette Mirage, Snatcher, Policenauts , Columns Arcade Collection e Castlevania : Symphony of the Night (que apesar de ser uma conversão horrível, a franquia contava com reconhecimento internacional).
Alguns destes jogos estão entre os títulos mais impressionantes já lançados em um console da SEGA e jogadores americanos e europeus – desesperados por softwares novos para o Saturn – nunca chegaram à vê-los. Apesar disso poder ser justificado citando-se custos de localização e propaganda, muitos destes títulos contam com pouco texto (e logo seriam fáceis de se localizar), enquanto outros pertenciam à franquias que eram populares no ocidente, tornando-as imediatamente mais fáceis de se comercializar.
Você pode acabar notando que alguns dos títulos acima acabaram sendo lançados nos EUA e Europa para o PlayStation, pois a Sony pensou que seria bom ter jogos de vídeogame para vender, se você estiver vendendo também um console de vídeogame.
Mas foda-se, nós propriétários do SEGA Saturn fora do Japão recebemos o Incredible Hulk: The Pantheon Saga, um jogo aparentemente “Cinco Estrelas” tão horrível que a Official Sega Saturn Magazine fez um review onde diz: “Super-heróis geralmente são criados ao serem expostos à radiação ou ao serem mordidos por um inseto radioativo – já os criadores deste jogo merecem ambas as coisas”.
Escondendo experiências comercializáveis por trás de códigos ou destravas
Apesar de todos os esforços da SEGA, alguns jogos acabaram sendo lançados para a sua plataforma. Alguns destes continham características que poderiam ser fantasticamente divulgadas, mas que por alguma razão maluca, estavam escondidas da vista do público. Por exemplo:
-Os excelentes FPSs Exhumed/Powerslave e Duke Nukem 3D continham um jogo multiplayer secreto chamado “Death Tank”. Esta obra-prima para 7 jogadores era absurdamente jogável e era adorada por todo mundo que teve a chance de jogá-la. Logo naturalmente isso ficou escondido atrás de quests obscuras, para que a maioria dos jogadores sequer desconfiassem que isso estava presente no disco.
-A versão para Saturn do Hexen contava com um modo “deathmatch” totalmente funcional, do tipo que jamais havia sido visto no console. Obviamente, isso estava escondido atrás de um código secreto e a maioria dos jogadores jamais descobriu que isso existia.
-Dentro do Christmas Nights há uma fase de Sonic, totalmente em 3D, completa até com o seu próprio chefe exclusivo. Isso era algo extremamente bacana e por isso foi escondido do jogo como algo à ser destravado.
Estas “features” deveriam ter sido os carros-chefe para estes jogos e a sua divulgação, sendo que escondê-los do público não faz sentido algum, do ponto de vista de negócios.
Quem precisa de discos de demo?
Imagine se fosse você – um proprietártio dedicado de um Saturn, sem nenhum jogo. Pelo menos alguns discos de demo poderiam te deixar ocupado, não?
NÃO.
A SEGA lançou uma quantidade ínfima de discos de demo para o seu console, por razão alguma. Enquanto a Sony tinha várias revistas, sendo que cada uma apresentava diferentes demos todo mês, a SEGA só lançava discos de demo através da Official Sega Saturn Magazine, num ritmo desolador.
É verdade que a SEGA – apesar de geralmente cagar e andar para a sua base de usuários – eventualmente lançou nesta revista dois dos melhores discos de demo de todos os tempos: o Christmas Nights completo e o disco 1 completo de Panzer Dragoon Saga – mas isso de forma alguma era o suficiente para compensar a horrível política de negar aos seus consumidores alguns demos decentes. Sem contar que isso negava aos seus parceiros uma ferramenta vital de marketing para os seus jogos.
Lançando softwares excelentes na surdina
O Saturn tinha alguns jogos fantásticos. Dados todos estes fatores que discutimos até agora, isso é um baita de um milagre.
Mas eles não foram divulgados. Eles não receberam discos de demo. Eles foram apresentados na mídia de forma be superficial.
Por exemplo – Fighter’s Megamix – um fantástico jogo de luta 3D que é um crossover de personagens de várias franquias da SEGA. Ele foi um ápice da jogabilidade arcade, com até jogos que não eram de luta sendo representados, como a. Janet do Virtua Cop e o carro (!) do Daytona USA. Isso era algo completamente inédito em escala e escopo e era algo que merecia ser celebrado.
Mas foi lançado na surdina e morreu em segredo.
Dark Savior – um adventure de ação que contava alguns milagres de programação, mudava de enredo à cada vez que você o terminava. Era uma história subversiva e arrebatadora que te levava por um ambiente único, com uma meta-narrativa nunca vista nos enredos de jogos.
Foi lançado na surdina e morreu em segredo.
Saturn Bomberman – o ápice da franquia Bomberman, trazendo ação multiplayer com DEZ jogadores simultâneos para as massas. Nenhum console era capaz de operar jogos multiplayer em tal escala e o resultado era maravilhosamente jogável e absurdamente divertido.
Foi lançado na surdina e morreu em segredo.
Exhumed / Powerslave – um FPS a la Metroid, com foco em upgrades e exploração por um mundo impressionante onde a ficção científica invade o antigo Egito. Este jogo tinha passagens e item secretos, itens SUPER secretos, uma jogabilidade profunda e um replayability absurdo. A revista CVG inicialmente deu à este jogo 4 de 5 estrelas em sua resenha, mas na edição seguinte eles imediatamente revisaram esta pontuação dizendo que ao jogar mais o jogo acabaram por elevá-lo à 5 estrelas – isso foi algo sem precedentes e testemunha a qualidade deste título.
Foi lançado na surdina e morreu em segredo.
Esta é a história da maioria dos jogos para Saturn. Bons jogos, morrendo em segredo.
O jogo do console mais vendido nos EUA foi o Madden 97, que vendeu um pouquinho mais que o resto.
Gastando mais recursos em mais cagadas em potencial
O 32X foi fracasso colossal.
Logo reis da cagada decidiram, obviamente, que eles deveriam fazer algo parecido para o Saturn, um acessório chamado Eclipse. Eles alocaram recursos para explorar a possibilidade desta expansão 64-bit para o Saturn – sabe-se lá porque – antes de finalmente abandonar a idéia e seguir em frente com o Dreamcast.
O que o console à beira do fracasso precisava não era outro console pra enfiar nele, mas sim de jogos!! Como é que eles não conseguiam ver isso!?
Cagadas Post-Mortem
Deixando um parceiro fantástico morrer
Durante o SEGA Saturn, havia um pequeno desenvolvedor third-party que fazia essa máquina amaldiçoada operar milagres: a Lobotomy Software. Esta equipe era habilidosa e dedicada o suficiente para driblar todas as barreiras de hardware e programação que a SEGA havia colocado no caminho dos desenvolvedores e lançar:
–Exhumed – um FPS incrível, do qual já falamos acima, com ambições acima dos limites do mero Saturn.
-Uma conversão perfeita de Duke Nukem 3D, adicionando efeitos de luz ao jogo, que não existiam nas demais versões.
-A versão “impossível” do Quake, trazendo o lendário FPS e todos os seus inimigos em modelos 3D, pro SEGA Saturn!
Esta empresa era incrível. A tamanho esforço que eles dedicaram aos seus jogos para Saturn, juntamente com os seus resultados impressionantes, deveria ter sido o suficiente para assegurar o seu futuro.
Mas não foi. Seus esforços venderam pouco, assim como todo os demais softwares para Saturn. Eles faliram. Se havia UMA empresa que a SEGA deveria ter trazido para dentro, uma empresa que que havia provado mais do que o suficiente merecer ser um parceiro para a criação fantásticos produtos para o Dreamcast, esta empresa era a Lobotomy Software. A SEGA deveria tê-los salvado, pois nenhum outro time externo foi tão dedicado ao Saturn. Mas é claro que eles não fizeram isso.
O tratamento dado à Official Sega Saturn Magazine
Quando se discute as melhores revistas de vídeogame que já exisitiram, a Official Sega Saturn Magazine sempre é mencionada. Era uma revista inteligente, divertida e bem escrita, além de devotada exclusivamente ao Saturn. Eles até tentavam incluir o máximo de referências à jogos importados quanto podiam, para tentar assegurar que seus leitores estavam por dentro dos fantásticos jogos para Saturn que eram lançados no Japão.
Eles pegavam as magras agendas de lançamento de jogos e, com alguma mágica, faziam elas parecerem realmente excitantes. Eles até contavam com matérias fantásticas e inesperadas, como “X-Men versus Street Fighter – o que REALMENTE aconteceria?” e sempre davam destaque para os seus desenvolvedores favoritos (a Lobotomy Software era sempre mencionada). Eles quase não tinham nenhum disco de demo para levantar as vendas, logo eles tinham que compensar com qualidade – e qualidade eles tinham.
Quando o Saturn morreu, eles ainda continuaram lançando edições, tentando juntar QUALQUER informação fosse possível sobre o Dreamcast no Japão, para manter os seus leitores informados. Para muitos usuários do Saturn, estes escritores apaixonados se importavam muito mais com eles do que a SEGA jamais se importou.
Naturalmente, a SEGA acabou com eles, escolhendo uma editora mais genérica para publicar a Official Dreamcast Magazine. Eu ainda tenho a minha cópia da última Sega Saturn Magazine e realmente desejava que estes caras tivessem continuado sua jornada na era Dreamcast – eles realmente fizeram por merecer.
A Biblioteca Perdida
Apesar de cagada após cagada após cagada após cagada, o SEGA Saturn contou com uma fantástica biblioteca de jogos. Não deveria, mas ele conseguiu.
Panzer Dragoon Saga – Shining Force III – Shining the Holy Ark – Story of Thor 2 – Dark Savior – Fighters Megamix – Sonic Jam – Christmas NiGHTS – Keio Flying Squadron 2 – Enemy Zero – Burning Rangers – Exhumed – Saturn Bomberman – Albert Odyssey – Astal – Magic Knight Rayearth – Shinobi X – Grandia Digital Museum – Saturn Bomberman FIGHT – Torico – Shinrei Jusatsushi Tarōmaru – Nanatsu Kaze no Shima Monogatari – Deep Fear – Dungeons & Dragons Collection – Iron Storm
Isso é apenas um exemplo do que o Saturn ofereceu – existem muitos outros títulos de qualidade por aí. O que os títulos acima tem em comum é que nenhum deles jamais foi re-lançado em nenhuma forma depois da vida útil do Saturn.
O Saturn foi um cagada de hardware tão grande que ele ainda é difícil de se emular via software, mesmo 25 anos mais tarde. Eles cagaram tanto que a empresa nem sequer consegue monetizar com sua extensa biblioteca de jogos 32-bit.
Conclusão
O SEGA Saturn. Um aglomerado de cagadas tão denso que que ainda assombra a empresa e a indústria de jogos mesmo quase um quarto de século depois. Nunca haverá uma sequência tão consistente de cagadas como essa novamente.
Que merda.
Citações
Este artigo deve muito aos seguintes links. Eles trouxeram insights fantásticos sobre a história do SEGA Saturn e você deve consultá-los se quiser saber mais:
Service Games: The Rise and Fall of SEGA: Enhanced Edition
The Guardian – Sega Saturn – How one decision destroyed PlayStation’s greatest rival
Sega Nerds – Former Sega President gives his thoughts on the Saturn’s launch
Sega Lord X – Why the Sega Saturn Failed